Jorge de Sena escritor



Sinais de fogo

Sinais de fogo, os homens se despedem,
exaustos e tranqüilos, destas cinzas frias.
E o vento que essas cinzas nos dispersa
Não é de nós, mas é quem reacende
outros sinais ardendo na distância,
um breve instante, gestos e palavras,
ansiosas brasas que se apagam logo.








   [...]
   No começo das minhas memórias de infância, o Papagaio Verde era um animal fabuloso que me recebia aos gritos, enquanto dava voltas no poleiro, trocando os pés, e me olhava de alto com um olho superciliar, e de bico entreaberto. Quando comecei a vê-lo, via-o muito pouco, já que ele vivia na "varanda da cozinha" que me era proibida por causa das torneiras, como a cozinha o era por causa do lume. Ficávamos, quando eu conseguia iludir as vigilâncias, ou subornar o cordão sanitário, os dois numa contemplação embebida: eu, de mãos nos bolsos do bibe de quadradinhos azuis e brancos (que era o uniforme do meu presídio), e ele, com a gaiola pendurada alta, entreabrindo as asas para um vôo um tanto ameaçador, com a cabeça de banda, e soltando uma espécie de grunhido que culminava num arrepio que o eriçava todo. Que era brasileiro e fora trazido do Brasil, eu sabia. Mas, antes de ser posto naquela varanda, onde parecia, numa casa triste e soturna, uma nódoa insólita, obscenamente garrida, viajara muito. Vivera a bordo de navios, cheirara longamente o mar, não a maresia ribeirinha, mas os ventos do largo, prenhes de fina espuma e de um ardor de andanças.
   [...]

JORGE DE SENA, Homenagem ao Papagaio Verde.

   [...]
   As idéias de Fernando Pessoa, tempo há em que discutidas não podem ser com liberdade, e tempo virá em que o não poderão ser com justiça. Sabe-se que é esta a sina dos demasiado grandes, dos quais é possível extrair inúmeras, variadas e parciais essências. Vale-lhe, a este, o ter feito a discussão por conta própria, à custa de heterônimos e das mais, para o vulgo, inesperadas opiniões?
   [...]

JORGE DE SENA, Apresentação de Páginas de Doutrina Estética, 1946-47.



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