Vítor Ramos
1920-1974


TÁBUA BIOGRÁFICA

1920 - Nasce em Lisboa em 25 de abril.
1950 - Conclui a Licenciatura em Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa.
1953 - Muda-se para o Brasil.
1955 - Un Article du Chevalier d'Oliveira dans le Journal Encyclopedique.
1956 - Participa do grupo de intelectuais portugueses exilados no Brasil que funda o jornal Portugal Democrático.
1959 - Torna-se professor de Língua e Literatura Francesas na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis, cargo que ocupa até 1964.
1961 - Doutora-se na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo com a tese L' Expression de la Vérité Humaine dans La Mort d' Agrippine de Cyrano de Bergerac.
1964 - Transfere-se para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.
1965 - Comparece à Conferência Internacional de Anistia aos Exilados Portugueses, realizada em Ottawa, Canadá, como representante da Unidade Democrática Portuguesa, movimento de oposição ao salazarismo.
1966 - Cyrano Auteur Tragique, publicação da tese de doutorado pela Faculdade de Assis. Estudos em Três Planos, publicados pelo Conselho Estadual de Cultura de São Paulo. Defende tese de livre-docência em Língua e Literatura Francesas, intitulada Rotrou: um Universo Equívoco, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.
1968 - Prepara o volume sobre o Cavaleiro de Oliveira para a coleção "Nossos Clássicos", da Editora Agir. Recebe do governo francês o título de "Chevalier" da Ordem das "Palmas Académiques", a mais elevada distinção francesa no campo cultural, por serviços prestados à cultura francesa no Brasil. Em 1973, é promovido a "Officier".
1969 - Leciona como "visiting professor" de Língua e Literatura Francesas na Universidade da Califórnia, em Davis, até 1971.
1972 - A Edição de Língua Portuguesa em França (1800/1850). Repertório Geral dos Títulos Publicados e Ensaio Crítico.
1974 - Falece em São Paulo, em 3 de maio.



   [...]
   Expostas continuamente ao equívoco, as personagens de Rotrou atravessam as suas peças caindo em tôdas as armadilhas que o autor prazerosamente lhes arma. Nesta terra movediça não há onde fincar o pé: tudo se revela instável. As noções a que procuram agarrar-se, na busca ansiosa de uma certeza, logo se mostram inseguras.
   O amor, inscrito num circuito de relatividade, surge-lhes como a representação mais direta da ilusão: o amante é, por definição, e independentemente do sexo, o enganador: o ludibrio é uma coisa inerente à coisa amada. O engano no amor não é uma situação, não se adquire, não se conquista, nem se perde; êle acha-se indissolùvelmente ligado à natureza do amor: é-lhe intrínseco.
   A posição da noção de poder dentro desta ordem anfibológica é, no fundo, bastante semelhante à do amor: também aqui não há maneira de lhe fazer perder o caráter equívoco. O poder eleva, só para fazer cair, e traz consigo o gérmen do ludibrio. Êle participa da quimera universal, e a instabilidade da sua natureza vai ao ponto de levantar perplexidades, embora leves e mal definidas, quanto à sua validade.
   Do sentido de ludibrio que associa às duas idéias, Rotrou passa fàcilmente para o plano das considerações sobre a generalidade do equívoco no mundo: se o amor é quimera, se o poder é impostura, tudo deve ser fraude.
   Sê-lo-á também a morte? Tivemos ocasião de mostrar que êste conceito recebe, por parte do autor, o mesmo tratamento dos anteriores: para se inscrever neste esquema, a morte é utilizada como instrumento de engano, produtora de confusões, no nível cômico ou tragi-cômico, tal como o amor ou o poder.
   [...]
   Diferente é a posição da arte dentro dêste esquema: ela não é (salvo em condições episódicas e sem significado) um instrumento do armazém romanesco, criador de situações de equívoco. Mas o autor, quando a utiliza, insiste sobretudo no seu caráter de geratriz de supremos fingimentos. Para Rotrou, o artista é acima de tudo semeador de enganos, e isto porque, tendo como ideal uma realidade que julga poder alcançar, mas não pode, êle vai criar simulacros dessa verdade, que são outros tantos ludíbrios.
   A superior ambigüidade da arte está pois em que, quanto mais se aproxima da verdade, quanto mais exatamente a reproduz, quanto melhor a "finge", mais falsa e enganadora ela se mostra, maior é a sua capacidade de iludir quem nela crê.
   A confrontação entre o simulacro e a realidade acaba sempre por mostrar como é impossível a fusão dos dois: o ideal a atingir vem a revelar-se, para o artista, inacessível.
   [...]

VÍTOR RAMOS, Rotrou: um Universo Equívoco.



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